Minha Vida Injusta - Parte 14: 09 de Dezembro de 2013



Desde o dia em que recebi o meu diagnóstico resolvi que não seria apenas um cara doente que fica deitado na cama esperando a morte, me senti muito bem no primeiro mês de quimioterapia, depois vieram os efeitos colaterais, mas atualmente eu estou bem melhor, sem nenhum sintoma aparente, estou apenas careca. É estranho, pois o câncer ainda está aqui comigo, mas em alguns momentos eu o esqueço.



Enfim, alguns dias depois do meu diagnóstico resolvi fazer as coisas que eu não fiz durante a minha vida toda. Larguei o emprego no jornal e consegui ganhar um bom dinheiro por causa da quebra de contrato e mais um ano de salário com os benefícios, já que eu fiquei trabalhando por anos lá, nada mais justo. Com o dinheiro resolvi conhecer o mundo. No início decidi ir sozinho.



Fui para o Japão, ajudei no roteiro de um episódio especial de um anime, me aventurei fazendo trilhas nas florestas do Chile e do México, na Califórnia conheci Hollywood e saltei de pára-quedas e ainda tentei escalar um tal de Everest, sem sucesso.



Após alguns meses viajando, voltei para casa porque estava com muita saudade de minha família, nisso fiquei com um pensamento em minha cabeça: Continuo viajando ou fico aqui com a minha família? Pensei um pouco e encontrei a solução, resolvi levar a minha família, incluindo minha mãe.



Fomos para a Disney, o pequeno Jimmy enlouqueceu com os parques temáticos, ainda em solo americano passamos em Vegas, depois fomos para a Nova Zelândia, Jimmy e Luana são grandes fãs de Senhor dos Anéis, eles adoraram conhecer Hobbitown, uma breve passada na Irlanda e terminamos a “temporada” em Amsterdã.



Luana resolveu voltar para o Brasil, já que as aulas do pequeno Jimmy iriam começar, combinei com ela que faríamos sempre essa maratona de viagens nas férias de Jimmy, e nesse tempo em que eu ficava no Brasil, me dedicava ao meu tratamento.



É engraçado porque depois de quase 3 anos de viagem, o meu dinheiro diminuiu mas ainda não acabou, já que até hoje eu ganho alguma comissão pelos meus contos publicados, a galera do jornal acabou fazendo um compilado dos meus melhores contos e publicando um livro e toparam em me pagar a maior parte dos lucros, as vendas foram ótimas e já estão pensando em fazer um volume 2.



Apesar disso, resolvi parar com as viagens a partir desde ano, quero deixar algum dinheiro para a minha família quando eu morrer, além do meu seguro de vida, é claro.



Ultimamente passo mais tempo em casa, depois de “conhecer” o mundo, estou me contentando a ficar aqui no sofá assistindo Tv. Só estou assistindo coisas que eu me identifico, filmes como “50%”, “Antes de Partir” e “God Bless América” e séries como “Breaking Bad”. Hoje mais cedo, minha mãe resolveu conversar comigo enquanto Jimmy estava na escola e Luana trabalhando.



- Você está bem, meu filho?



- Nunca estive melhor. – Ironizei.



Minha mãe parou por um tempo, parecia que ela estava pensando em algo para falar.



- Sabe, quando você nasceu, eu estava conversando com o seu pai e começamos a falar sobre o seu futuro, ele me disse “Eu só quero que o nosso filho seja feliz, independente do futuro que ele irá escolher” ... Seu pai era um bom homem, apesar de tudo.



- Sim, mãe, eu sei.



- E agora que você está doente, parece que os seus planos para o futuro estão tão distorcidos...



- Não, mãe, não estão distorcidos, apenas acabaram... Resolvi viver o presente, não sonhar com o futuro.



- Como a vida é injusta. Olhe para mim, eu já sou uma velha, aposentada, não agüento fazer mais nada, Luana cuida de mim, eu deveria estar em um asilo, mas estou até saudável para a minha idade, apenas com o problema de pressão, e olhe para você, meu filho... Você é jovem, com todo o futuro pela frente, e de repente fica doente, sem chances de cura, totalmente... Frágil...



- Mãe, para começar, não diga que você está velha, apesar dos seus cabelos brancos você está... Em ótima forma, e eu não sou tão jovem assim... O meu futuro se tornou o meu passado.



- Para mim você sempre vai ser o meu bebê.



- Sim, mãe, eu sei.



Houve uma pausa, minha mãe começou a chorar e me abraçou.



- Eu não quero que você morra, meu filho... Não quero... Eu gostaria de morrer antes... Eu daria a minha vida para te salvar... – Ela disse enquanto chorava em meus braços.



- Calma, mãe... Eu não vou morrer. Você ainda vai me aturar por muito tempo. – Eu menti, no fundo eu sabia que não tinha mais muito tempo. – Jimmy ta vindo aí, você não quer que ele te veja assim...



- Tudo bem, vou tomar banho.



Minha mãe se levantou, antes de ela ir ao banheiro, eu disse algo que nunca esperaria dizer com tanta sinceridade:



- Mãe, eu estou feliz...



Ela beijou a minha testa, como se eu fosse uma criança e entrou no banheiro. Depois de um tempo, o pequeno Jimmy chegou. Ele ainda não sabia que eu estava doente. Quando chegou, resolvi conversar com ele.



- Jimmy...



- Sim, pai.



- Bem... Não sei como nem quando eu iria contar isso pra você, mas acho que essa é a hora... Vou direto ao assunto, meu filho... Papai está muito doente, não sei quanto tempo ficarei aqui com vocês... Só quero que você saiba que, quando o papai for embora, você irá assumir o posto de homem da casa, certo? Aconteça o que acontecer, cuide da sua mãe e da sua avó.



- O que você tem? Você vai morrer? – Jimmy estava assustado.



- Câncer, já faz alguns anos, resolvemos não te contar na época, mas pensei um pouco e achei injusto você não ficar sabendo. Não sei quanto tempo eu ainda tenho, mas quero que você me prometa que irá cuidar da sua mãe e da sua avó quando eu for embora, certo?



Jimmy ficou parado por um tempo, sem reação, depois ele chorou e me abraçou.



- Ta, pai... Eu prometo...



O acalmei e resolvi ficar no portão de casa esperando a Luana chegar, ela disse que iria demorar hoje porque iria fazer hora extra, o sol já estava se pondo quando ela chegou, a beijei e abracei.



- Contei tudo para o Jimmy... – Eu disse para ela.



- E ele?



- Ele entendeu, já tem idade o suficiente para entender essas coisas.



Luana não disse nada, apenas entrou, eu fiquei mais um tempo no portão, contemplando o pôr do sol, é incrível como as coisas são, mesmo após viajar pelo mundo, no final eu só quero ficar aqui, com a minha família, nessa casa onde eu vivi a minha vida inteira. Gostaria de ficar aqui para sempre... Gostaria de viver para sempre... Não tive tempo suficiente para me tornar alguém... Gostaria de ter me tornado alguém... Eu queria que as pessoas se lembrassem de mim...



Henrique Soares, 09 de Dezembro de 2013.

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