Minha Vida Injusta - Parte 7: 19 de Maio de 1993

- Olá, me chamo Jimmy e sou viciado em crack.

- Oi Jimmy! – Todos da reunião de reabilitação responderam.

Tentei de várias formas fazer o Jimmy parar de usar crack, mas ele não me ouvia, o chamei de burro e de suicida, até paramos de nos falar por um tempo. No ano passado recebi a notícia de que ele estava internado devido a uma overdose, fui visitá-lo, mesmo sem vê-lo há meses. Ele estava em coma, muito magro e pálido, achei que ele morreria ali, daquele jeito, tive muito medo de perder o meu melhor amigo para sempre. Quando ele acordou foi um alívio, passaram algumas semanas, ele estava bem melhor. Conversamos, ele decidiu entrar para a reabilitação assim que saísse do hospital e finalmente fizemos as pazes, felizmente no fim deu tudo certo.

Eu já terminei a reabilitação e estou completamente limpo, apenas fumando cigarros agora, mas o Jimmy me pediu para acompanhá-lo, então voltei, mesmo não precisando mais frequentar estas reuniões.

- Hoje é o meu primeiro dia aqui, tenho 25 anos, estou cursando o quarto período da faculdade de história e no ano passado tomei uma overdose, fiquei em coma por alguns dias, quase morri, mas consegui me salvar, quando fiquei melhor decidi largar o crack e iniciei um processo de desintoxicação, foi o mês mais difícil da minha vida, nunca senti tanta dor e vontade de me drogar... Enfim, consegui sobreviver à desintoxicação e hoje já estou há dois meses sem usar drogas. – Todos o aplaudiram, alguns ficaram impressionados com o fato do Jimmy ter sobrevivido a uma overdose de crack, é realmente algo difícil.

Durante a reunião, Jimmy acabou fazendo amizade com o Felipe e a Luana, eles tinham várias coisas em comum, Jimmy acabou gostando da reabilitação.

Saindo da reunião, deixei o Jimmy em casa, ele estava com uma aparência muito boa, depois fiz uma visita rápida na casa da minha mãe antes de ir trabalhar, almocei lá, é muito bom comer a comida da mamãe de vez em quando.

Consegui um emprego na edição de um pequeno jornal da região, já estou trabalhando aqui há seis meses, não é nada de mais, apenas reviso e edito o que os outros escrevem, além de revelar as fotos de vez em quando. Sinto-me frustrado, pois eu queria muito escrever também, adoraria escrever contos e crônicas para o jornal, assim como o Nelson Rodrigues fazia. Bem, o emprego não é tudo aquilo que eu queria, mas pelo menos é melhor do que trabalhar em uma sapataria.

O meu relacionamento com a Rafaela estava indo de mal a pior, ainda morávamos juntos, porém nos tornamos dois desconhecidos vivendo na mesma casa, a gente não se falava mais, e quando falávamos era para discutir, seja por qualquer motivo bobo. Não sei quando e nem como isso começou exatamente, só que eu sabia naquele momento que, mesmo tentando manter o namoro e chegarmos a um acordo, o nosso relacionamento estava no fim.

Saí do trabalho por volta das 20 horas, e quando cheguei em casa me deparei com um homem sentado no sofá da sala e assistindo televisão, ele parecia bem a vontade, estava de bermuda e bebendo cerveja, todo jogado no sofá, parecia que iria dormir ali. Ele olhou pra mim e disse um “boa noite” meio sem graça, não o respondi, apenas fui falar com a Rafaela para tentar entender o que estava acontecendo.

- Rafaela, o que é isso?

- Esse é o Rodrigo, meu novo namorado. Ele vai morar aqui. – Ela estava bem calma quando falou isso, parecia até uma situação normal.

- Seu... Novo... Namorado...? – Eu não sei direito o que senti naquele momento, era uma mistura de sentimentos, estava com raiva, perplexo e com medo ao mesmo tempo.

- Sim, eu passei o dia fazendo as suas malas, estão ali no quarto, pegue-as e vá embora, não estamos mais juntos.

- Mas...

- Vá, por favor.

Não tive forças para discutir, apenas obedeci, peguei as malas e saí, sem olhar para ninguém. Parei para pensar um pouco sobre para onde eu iria, e só consegui pensar em um lugar: a casa da minha mãe. Mesmo sendo uma distância de quase 3 km, fui andando, refletindo sobre tudo que acabara de acontecer e tentando descobrir em que ponto eu errei com a Rafaela, não consegui descobrir. Como minha mãe estava vivendo sozinha achei que seria uma surpresa agradável, cheguei lá, bati na porta, ela atendeu, ficamos alguns segundos nos olhando, não precisei dizer nada naquele meio tempo, minha mãe apenas olhou para as minhas malas e entendeu tudo.

- Posso voltar para casa? – Perguntei, mesmo não precisando perguntar.

- Claro, meu filho, o seu quarto sempre esteve lá, intacto. – Ela me abraçou e me beijou. – Bem vindo de volta.

Fui para o meu quarto, estava tudo muito bem arrumado, desfiz as malas e encontrei ali no meio esse diário dos Beatles, me deu vontade de escrever. Eu acho que era para eu estar com raiva de tudo o que me aconteceu hoje, mas na verdade não estou, o meu sentimento no momento é de nostalgia. É muito bom voltar pra casa.

Henrique Soares, 19 de Maio de 1993.

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