Minha Vida Injusta - Parte 6: 24 de Abril de 1991

Hoje não aconteceu quase nada de muita relevância, estou escrevendo apenas para não perder o costume. Bem, o meu dia hoje foi normal, fui para a reabilitação, que agora é basicamente uma reunião de ex-viciados em maconha, hoje faz um ano que comecei a reabilitação, tomei essa decisão depois de perceber que tudo aquilo que aconteceu no ano passado, toda aquela minha briga com o meu pai e o fato dele ter espancado a minha mãe foi tudo culpa minha, tudo por causa do meu vicio em maconha. A reabilitação foi difícil no começo, mas já estou há quatro meses sem fumar maconha, em compensação eu comecei a fumar muito cigarro, atualmente fumo até três maços por dia, e mesmo assim não ta sendo o suficiente.

Rafaela também está na reabilitação, mas hoje ela não foi, a morte do Jorge no ano passado foi uma porrada muito grande para ela, eles eram amigos de infância, então chegamos juntos a conclusão de que largaríamos qualquer tipo de droga. Sem Rafaela lá hoje eu conversei por mais tempo com o Felipe e a Luana, eles namoram e estão juntos há sete anos, eles começaram a frequentar as reuniões faz um pouco mais de dois meses, ainda não os considero meus amigos, mas são pessoas bem legais.

Saindo da reabilitação fui direto para a sapataria, já estava em meu horário de trabalho, eu estou fazendo hora extra quase diariamente para conseguir comprar os móveis da minha nova casa. Estou morando com a Rafaela, consegui construir uma casinha nos fundos da casa de sua mãe, porém só temos um sofá e uma cama por enquanto.

Quando saio do trabalho costumo ir visitar a minha mãe, ela estava com uma aparência muito boa hoje. Meu pai está preso, ele pegou cinco anos de prisão, não por ter batido na minha mãe no ano passado, mas sim por ter agredido e ameaçado de morte um filho de um policial enquanto estava bêbado, mesmo depois disso ter acontecido decidi não voltar para casa, queria construir uma família com a Rafaela.

- Meu filho, eu já estou ficando velha, queria ter feito um monte de coisas em minha vida, mas acho que não dá mais. – Minha mãe começou a falar num tom de desabafo. – Espero que você não fique a vida inteira trabalhando naquela sapataria.

- E não irei, mãe, até que o salário é legal mas eu irei fazer uma faculdade para me tornar escritor. E não diga que você está velha, você está ótima.

- Filho, tomara mesmo que você consiga alcançar os seus objetivos.

Saí da casa da minha mãe quando já estava bem tarde, o relógio já marcava quase 22 horas, mas mesmo assim resolvi passar na casa do Jimmy, já faz um tempo que não o via, pois ele tinha começado a fazer faculdade de história e só estava com tempo para estudar, cheguei lá e o encontrei, ele estava bem abatido, parecia até que estava doente.

- Cara, você está bem? – Perguntei, eu estava realmente preocupado.

- Estou ótimo. Pode entrar, to terminando de fazer o trabalho da facul aqui no quarto. – O tom de voz do Jimmy estava bem calmo, nem parecia que o trabalho da faculdade o estressava.

Fiquei esperando-o terminar o trabalho, apenas o observava, o seu quarto estava uma bagunça, o que é estranho pois o Jimmy sempre foi um cara limpo e bem organizado.

- Aaaaahhh, to sem idéias para terminar essa merda de trabalho, preciso ter idéias, desculpa Henrique, sei que você ta na reabilitação mas preciso de uma viagem.

- Tudo bem.

Eu o respondi achando que ele iria acender um baseado, mas quando vi o que ele tirou da mochila fiquei assustado. Era crack, Jimmy estava usando crack.

- Cara, você ta maluco? Isso mata! – Eu disse num tom de voz alto para ele poder me ouvir enquanto estava na onda.

- Que nada, tem uma galera lá da faculdade que usa isso já faz um tempinho, eu to bem, consigo controlar as minhas doses.

- Você já se esqueceu do que aconteceu com o Jorge?

- O Jorge era fraco... Eu sou forte.

- Você só pode ter perdido o juízo.

- Por quê? Você vem até a minha casa e quer controlar a minha vida?! Caí fora, vai embora. – Jimmy estava alterado, ele parecia estar bem nervoso.

Resolvi ir embora e tentar falar com ele num outro dia, quando ele estiver consciente. Voltei para casa, Rafaela estava me esperando, não contei sobre isso pra ela, por algum motivo resolvi guardar segredo, ela dormiu, eu não consegui dormir, peguei este velho diário dos Beatles e comecei a escrever, mas não estou conseguindo parar de pensar no que o Jimmy está fazendo com a vida dele, preciso fazê-lo parar de usar crack, ele vai acabar se matando.


Henrique Soares, 24 de Abril de 1991.

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