Minha Vida Injusta - Parte 5: 12 de Abril de 1990

- Cara, eu tenho que passar para a faculdade logo, já to com 20 anos, to velho. – Eu disse, realmente estava preocupado.

- Não precisa, cara. Você quer ser escritor, certo? Comece a escrever então. – Rafaela respondeu, ela não estava na faculdade e acho que nem pretendia fazer.

- Seria mais fácil se eu tivesse um diploma de letras.

- Acho que daria tudo na mesma.

Já estamos namorando há dois anos, gosto realmente dela. Sabe, às vezes me pergunto se irei ficar com ela para sempre, eu realmente gostaria que isso acontecesse. Estou trabalhando numa sapataria, é uma merda, mas pelo menos ganho dinheiro o suficiente pra conseguir comprar baseado. Encontrei com a Rafaela no fim do expediente, saímos, tomamos uma cerveja e logo depois a deixei em casa.

Quando cheguei em casa a situação estava tensa, minha mãe estava chorando, meu pai voltara a bater nela, o seu rosto estava completamente roxo e inchado, nunca a tinha visto desse jeito.

- Cadê ele? – Perguntei, eu estava com raiva. Minha mãe nem precisou responder, olhei para a cozinha e lá estava ele, extremamente bêbado. Quando me viu, começou a gritar.

- SEU FILHO DA PUTA, ACHOU QUE EU NÃO IRIA DESCOBRIR QUE VOCÊ FUMA MACONHA? – Droga, ele encontrou o meu estoque que eu escondia embaixo do colchão, enquanto meu pai gritava, minha mãe chorava mais ainda. Na hora eu não tive o que pensar, apenas o respondi.

- Pelo menos não sou um vagabundo que passa o dia inteiro enchendo a cara. – Após isso, meu pai respirou fundo, e quando percebi ele me deu um soco, bem no meio da cara, o impacto me fez cair no chão. Quando caí, procurei pelos meus óculos, já era, quebraram.

Ainda tonto por causa do soco, o vi correndo para o meu quarto, eu queria revidar mas não consegui, comecei a ouvir barulhos de coisas se quebrando, com dificuldade, levantei do chão.

Quando cheguei no quarto e vi o que tinha acontecido lá, comecei a chorar, em uma mistura de raiva com tristeza. O meu toca discos estava estraçalhado no chão, junto com meus discos do David Bowie, Legião Urbana e Barão Vermelho, todos quebrados em duas ou mais partes. Meu pai começou a pegar os meus livros e a rasgá-los, primeiro a minha coleção de “A Vida Como Ela É...”, depois uma edição do roteiro de "Sete Gatinhos", que foi extremamente difícil de eu achar para comprar.

- ISSO TUDO É CULPA SUA E DA PUTA DA SUA MÃE, SE ELA NÃO DEIXASSE VOCÊ TER IDO PRA LAPA, VOCÊ NÃO FUMARIA MACONHA! – Ele gritava enquanto rasgava as páginas dos meus livros e quebrava os meus discos.

Até que ele abriu o meu armário e pegou o meu diário dos Beatles, mas antes dele começar a rasgar, eu o empurrei bem forte, ele soltou o diário, não pensei duas vezes, apenas peguei o diário e saí de casa, meu pai ainda estava gritando algo do tipo “volta aqui”, mas não prestei atenção, só queria sair dali, não queria voltar pra casa nunca mais, apenas sair daquele jeito mesmo, só com a roupa do corpo e com este diário.

Fui para a casa da Rafaela, ela morava com a mãe, mas eu já a conhecia, ela me achava um anjo. Rafaela estava chorando quando abriu o portão.

- O que houve? – Perguntei pra ela, foi estranho pois achei que seria ela que me perguntaria isso.

- Foi o Jorge... O encontraram morto lá na casa dele.

- Morto, mas... Como? – Eu não esperava essa notícia, é incrível como a vida pode fazer o seu momento ruim piorar mais ainda, até mesmo quando você acha que não dá pra piorar.

- Disseram que foi overdose... Ele começou a usar uma droga nova há alguns meses atrás, acho que o nome é Crack, nunca ouvi falar, mas pelo que me contaram isso causa uma dependência de um jeito grave e muito rápido. 

Crack, é a primeira vez que ouço falar sobre essa droga, não sei como ela funciona, e nem quero saber, não quero usar isso nunca, nem nenhum outro tipo de droga, não depois de tudo o que aconteceu hoje.

E foi ali que percebi que estou vivendo um dos piores dias da minha vida, queria que terminasse logo. Estou passando a noite aqui na casa da Rafaela, ela tomou um calmante e dormiu, eu não consigo dormir, nem mesmo com o calmante, resolvi escrever aqui, mesmo tendo dificuldade para enxergar, não sei por que estou escrevendo aqui sobre esse meu dia, porque sinceramente foi um dia para ser esquecido.


Henrique Soares, 12 de Abril de 1990.

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