Eu Andei Errado

“Eu andei errado minha vida toda”, era o pensamento que ecoava pela cabeça de Lúcio. Ele não estava sendo metafórico, embora volta e meia questionasse suas escolhas na vida. Ele literalmente andava errado. Clinicamente diagnosticado.
“Você anda errado”, foram as palavras do médico.
Lúcio sabia que tinha alguma coisa errada com ele, afora a tristeza generalizada, o vazio e o desconforto habitual com a própria figura. Em uma manhã em que estava determinado a mudar (o cabelo, as roupas ou pelo menos a música que ouviria durante a ida para o trabalho), ele notou um buraco na altura do calcanhar do pé esquerdo do tênis. E reparou que todos os demais pares esquerdos dos demais tênis tinham a mesma marca. Aparentemente, ele não sabia andar mas conseguia muito bem identificar padrões de comportamento. Resolveu procurar o médico.
“Você anda errado”, era a solução para o mistério, mas também o início de outras inquietações. De todas as coisas que fazia na vida, andar era uma das poucas que Lúcio tinha alguma segurança de que não estragava. Agora, veja você, ele andava errado. Falhava numa das tarefas mais básicas de um ser humano. Neste exato momento (seja o momento em que este texto foi escrito ou o momento em que será lido, se é que será), há uma mãe orgulhosa em algum lugar do mundo porque o bebê de 10 meses aprendeu a andar.
Mas nosso cérebro trabalha de formas misteriosas. Durante o transe ali mesmo na frente do médico, não demorou muito para que uma visão mais otimista (ou auto-condescendente – Lúcio sempre teve muita habilidade em colocar seus próprios erros na conta de outros) tomasse conta de seu espírito.
Pois era isso, ele veio a realizar, era isso que ele buscava durante toda a vida. “Se eu falho numa tarefa tão simples como essa, qualquer realização é uma grande conquista, qualquer fracasso é relativizado”. Ele demorou sete anos para se formar em Jornalismo? “Eu nem sei andar, cara, eu ter entrado nessa faculdade já foi uma superação”. Ele pediu demissão depois de apenas dois meses no novo trabalho? “Nada mal para um cara que nem sabe andar”. A vaidade e necessidade de viver a vida para impressionar os outros deram lugar a uma liberdade que ele nunca experimentou antes: a tranquilidade e a paz em ser quem era. 
E saiu do consultório. Engatinhando.

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