Um Conto Sobre Baratas, Empregos e Outras Coisas que Definem o Sentido da Vida

Ele andava pela rua a caminho do trabalho, sem sono, porém cansado, o relógio marcava 14:00 hrs e era verão, calor infernal e nenhuma sombra naquela maldita rua, apesar de tudo, era mais um dia normal, o caminho um pouco mais estressante pois ele havia esquecido de carregar o seu celular na noite anterior e que agora, sem poder ouvir musicas no caminho o som dos seus pensamentos pareciam mais altos que o normal, mas o que ele ouviu a seguir definitivamente não eram os seus pensamentos.

- Ei, moço, você poderia me ajudar, por favor? – Ele ouve uma voz doce, estranhou o termo “moço”, já que esse termo parece ser direcionado para senhores e que para ele, com seus 25 anos, soava estranho. Ele redirecionou o olhar, procurando a fonte da voz, não vinha da rua, e sim de uma janela a sua direita, no segundo andar de uma casa, ele viu uma bela jovem, com os cabelos presos, com certa expressão de desespero. Claro que ele estava atrasado para o trabalho, mas não custava nada parar para ajudar a jovem.

- O que houve?

- Um minutinho, vou abrir o portão para você. – Demorou menos de um minuto para ela desce e abrir o portão, ela era pequena e magra, usando um vestido simples e confortável para se usar em casa no verão, aparentava ter uns 18 anos, ou talvez menos. – Me desculpa ter tomado o seu tempo, mas tem um monstro enorme no meu quarto, e eu tenho fobia, me ajuda a matá-lo, por favor?

Ele não entendeu nada no começo, então, guiado por ela, subiu até o seu quarto, chegando lá ela aponta para um canto.

- Ali! Mata, mata! – Era uma barata, apenas uma barata, nisso ele começou a pensar que estava sendo vítima de uma daquelas pegadinhas infames do João Kleber, tudo bem, se fosse uma pegadinha ele se deixaria levar, melhor que negar o favor e ser chamado de medroso. Olhou para a barata e não era uma barata comum, era uma daquelas que aparecem em filmes americanos, sabe-se lá da onde esse inseto veio.

- É realmente algo a temer, é grande de verdade, vou dar um fim nela. – Ele tirou o tênis, poderia ter pedido pra moça um chinelo, mas preferiu tirar o tênis, se aproximou lentamente do inseto, mas antes de acertar a barata correu para detrás do armário, como se tivesse pressentido a morte.

O vão entre o armário e a parede era muito curto e não dava pra enxergar muita coisa.

- Droga, o bicho é rápido, não dá pra ver nada aqui, me ajuda a empurrar o armário. – Ela o ajudou, mas o armário era enorme e pesado, só sairia do lugar desmontando-o.

- Ok, isso não ta dando certo, vamos para o plano B – Ele disse – Vou comprar inseticida, você fica aqui vigiando enquanto isso.

- Não, inseticida não dá, eu sou alérgica.

- Putz, ok, então vou ver o que eu posso trazer pra tirar o bicho daí, não se preocupe, vou dar um jeito.

E lá foi, ela ficou apreensiva, não sabia se ele iria voltar, mas o deixou ir, ele sabia que havia um mercadinho no final do quarteirão, cerca de quinze minutos depois, ele estava de volta, não parecia preocupado com o atraso do trabalho, e sim em acabar com o maldito inseto, pelo jeito a barata continuava no mesmo lugar, ele gastou doze reais de seu bolso, não fez questão de gastar, mas ele trouxe algo.

- Olha aqui, trouxe isso, não é tóxico, parece que você liga isso na tomada e daí é liberado uma espécie de feromônio que atrai as baratas, e quando chegam até o aparelho, elas tomam uma espécie de choque ou algo do tipo, parece ficção científica, mas o vendedor me garantiu que funciona, ele pode ter me enganado, mas não custa nada tentar, onde tem uma tomada?

- Ali – Ela aponta para a parede da esquerda, abaixo da janela e próximo a cama, ele liga o aparelho.

- E agora? – Ela pergunta.

- Agora só nos resta esperar, não se preocupe, só sairei daqui com o cadáver desse bicho.

- Desculpa ter tomado o seu tempo.

- Não se preocupe.

- Oh meu Deus, com todo esse calor que ta fazendo, nem te ofereci um copo d’água, quer?

- Aceito.

Ela foi buscar o copo d’água, enquanto isso ele ficou no quarto de guarda caso o inseto saia da toca, ela não se importava com um estranho em seu quarto, pois não tinha nada de valor pra ser roubado, o quarto era bem simples, ele olhou ao redor do cômodo e percebeu que ela era uma garota bem organizada, deu uma rápida olhada numa pequena coleção de discos que havia ali e ficou impressionado, ela volta com a água.

- Uau, você curte Lighthouse Family?! – Ele destacou

- Nossa, amo! – Ela fez uma pausa e começou a cantar um pedaço de “Ain’t No Sunshine” – A versão deles é a melhor! Pena que eles se separaram tão cedo.

- É mesmo. Sabe, às vezes me pergunto por que.

- Talvez eles já teriam conquistado tudo aquilo que queriam, então resolveram parar já que dali pra frente a coisa ficaria sem graça. Sabe, objetivos, é isso que move a vida humana.

- Acredita mesmo nisso? – Ele perguntou, foi uma pergunta retórica.

- Sim, e se existir vida eterna, será uma chatice, já que teremos a eternidade para conquistar todos os nossos objetivos.
- Ou talvez os nossos objetivos também sejam eternos. – Ela não esperava essa resposta dele, eles se sentaram ali no chão mesmo, encostando-se à beirada da cama.

- Você mora aqui sozinha?

- Sim, faz algum tempo, meu pai morreu e deixou essa casa pra mim na herança, afinal, éramos só nós dois.

- Meus pêsames.

- Tudo bem.

Houve um silêncio.

- Você estava indo pra onde? – Ela perguntou apenas para quebrar o silêncio.

- Pro trabalho.

- Oh, desculpa se fiz você perder...

- Tudo bem. – Ele a interrompeu – O meu trabalho é uma chatice, é bom sofrer uma adrenalina de vez em quando, e é só um emprego provisório, ainda não consegui coisa melhor.

- Isso não é chato? Quer dizer... Por que diabos não podemos fazer aquilo que a gente quer? Tipo, quando criança eu queria ser bailarina, sempre quis na verdade...

- E por que não se tornou bailarina? Quero dizer, suponho que você não seja.

- Não – Ela deu uma risadinha – Trabalho como caixa de supermercado, o fato de eu não ter me tornado bailarina é bem simples, eu precisava comer, então tive que arrumar um “emprego de verdade”.

- Aí está. Por que as coisas legais não podem ser consideradas “emprego de verdade”? Por que você tem que ter sorte para ganhar dinheiro sendo músico ou pintor e basta ter um diploma pra se tornar um executivo?

- Talvez porque seria muito legal, e não está no plano da sociedade a vida ser tão legal assim. E já pensou se isso for uma ilusão?

- Como assim?

- Talvez tudo o que os músicos e pintores querem é se tornarem executivos, pois a vida profissional deles são chatas.

- Acho que não, mas se for verdade, essa teoria também deve ser aplicada para as bailarinas.

- Claro – Ela riu – Por isso que eu desisti.

Houve uma nova pausa, dessa vez um pouco mais curta.

- Ás vezes é melhor não fazermos nada, passarmos despercebidos. – Ela disse com um tom de voz mais sério.

- Pode ser, mas acrescentando, fechar os olhos e apenas deixar a vida te guiar também pode ser uma boa alternativa.

- Ok, agora você é oficialmente o cara mais vivido que eu conheço, apesar da idade. – Ela disse em tom de deboche e fez uma pausa – Quantos anos você tem?

- Quantos você acha?

- Hum, deixa eu ver... Que tal 19? Acertei?

Ele riu.

- Queria voltar a ter 19.

- Ok, 21?

- Você realmente me acha novo assim?

- Ta, 30 então.

Ele hesita.

- Acertou.

- Sério?

- Não. – Ele deu uma risada. – 25.

- Ok, você venceu.

- E você?

- 21.

- Achei que você tivesse menos.

Mais um hiato, dessa vez um pouco mais longo.

- Seu coração já foi feliz? Quero dizer, você já teve vida amorosa? – Ele pergunta.

- Já tive sim, mas não posso dizer que meu coração foi feliz, sabe, em alguns momentos sim, em outros, não, enfim, existem coisas no mundo que não importam. E você?

- Também fui feliz e fui triste, como você disse, em alguns momentos não importa muita coisa, é apenas o momento.

Ela acabou debruçando o corpo e encostando a cabeça no ombro dele, por um certo período de tempo os dois se calaram e não pensaram em nada. Até que ele viu a barata saindo de trás do armário e indo na direção da tomada, porém o inseto acabou dando uma parada no meio do caminho, bem ao lado dele. Ela estava de olhos fechados com a cabeça encostada no ombro que não viu quando ele pegou o seu chinelo com cuidado para não fazer nenhum ruído e acertou a barata em cheio, matando-a.

- É! Eu matei! – Ele gritou, extasiado.

Ela abriu os olhos e viu o cadáver, os dois comemoraram.

- Acho que a minha missão aqui foi cumprida, já devo partir. – Ele disse.

- Eu o levo até o portão.

Eles nem perceberam que se passaram quase uma hora desde o início do acontecimento. Chegando no portão, ela o agradece.

- Muito obrigada mesmo!

- Eu é que agradeço... É... Eu nem sei o seu nome...

Ela o abraça bem forte e diz próximo ao seu ouvido, quase que sussurrando.

- Isso importa?

Ele sorri e responde.

- Acho que não...

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