Um Conto Sobre Encontros, Transporte Público e um Helicóptero dos Bombeiros

Ela subiu no ônibus e ele logo a reconheceu. Não era a primeira vez que se encontravam. Mesmo com o caos que é o transporte público no Rio de Janeiro, com o tempo ele passou a conseguir controlar esses encontros por acaso. De Copacabana até a Barra pela orla não são tantas opções de ônibus assim. Nem tão frequentes. Após esbarrar com ela umas duas vezes ele conseguiu prever o padrão: sempre dois pontos à frente do dele, por volta de 13h.


Então lá estavam os dois de novo. Dois pontos à frente do dele, por volta das 13h. Ele deslizou do assento da ponta para a janela na esperança dela tomar o lugar ao lado. Deu certo. Depois de todas aquelas vezes em que ele ficou ali, observando ela entrar no ônibus e passar direto e ficando um pouco decepcionado, ela finalmente sentou do lado dele! E agora ele estava ali, percebendo que não tinha nada para falar com ela, e ficando um pouco decepcionado. Ele escondeu os olhos com o livro do Verissimo e fingiu que não a tinha notado.

Já estavam na entrada de Ipanema quando ele decidiu dar uma olhadinha com o rabo de olho. Ela lia alguma dessas revistas pretensiosas sobre tecnologia. Certamente não ia notar que ele estava olhando.

- O que você tá olhando?

Ela tirou os olhos da revista e mirou nele.

- Ah, nada não, é só que… eu achei que você era uma conhecida minha.

- E era?

- Não. Acho que não.

Ela continuou fitando o garoto. Ela se divertia sabendo que estava o deixando sem graça. Ele voltou os olhos de novo pro livro, de onde não tirou mais, embora agora o problema fosse outro: aquele silêncio, atordoador, que deixa aquela bolha de constrangimento voando no ar.  Quando chegaram na Gávea ele colocou o fone e decidiu ouvir música.

Se pelo menos alguma coisa acontecesse, qualquer coisa que servisse para ter um contexto para falar de novo. O ônibus quebrar, algum acidente no caminho, uma nave espacial descendo do céu e ordenando ser levada ao nosso líder. Infelizmente esse não é o tipo de coisa que acontece na vida real.

Por sorte estamos na literatura. Quando estavam passando pelo elevado, uma nave desceu do céu, direto em direção ao mar. No último segundo se recuperou da queda. Era um helicóptero dos bombeiros, enchendo um balde enorme com água para apagar um incêndio, um pouco depois do túnel, que deixou o trânsito completamente parado.

Ela começou a reclamar do atraso que isso causaria. Ele começou a tecer comentários sobre o fato incrível de terem visto um helicóptero com um balde enorme pegando água do mar. Ela falou sobre como hoje ela tinha uma reunião importante e que tinha que chegar no horário. Ele continuou absolutamente impressionando com essa solução totalmente engenhosa que a humanidade tinha desenvolvido para apagar incêndios em locais de difícil acesso.

Quando finalmente chegaram aos seus destinos, já haviam criado um laço especial, desses que acontecem quando coisas inesperadas como um helicóptero dos bombeiros pegando água do mar para apagar um incêndio. Forte o bastante para fazer a gente tomar algumas atitudes que normalmente não tomaria. Nem ele, que era tão cuidadoso com seus livros, conseguiu resistir a oferecer emprestado aquele que estava lendo no ônibus, após o comentário dela de que adorava Verissimo, mas que esse ela nunca tinha lido. Entre risos, combinaram a devolução do livro para quando se encontrassem numa próxima, no ônibus.

Ela foi demitida por chegar atrasada e ele nunca mais viu aquele livro (nem a moça).

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