É só Arroz


Ainda lembro da primeira vez que fiz arroz, no meu primeiro ano morando sozinho (ou quase isso). Não ficou especialmente ruim. Mas você cresce comendo arroz feito na hora pela sua mãe, às vezes um risoto, às vezes arroz à piamontese, às vezes a la grega, e você disciplina seu paladar com possivelmente a melhor maneira (ao menos a melhor que você conhece) de se fazer arroz, e às vezes pode se decepcionar um pouco com o gosto quando você mesmo faz.

No começo é assim. Você vai fazendo arroz, e vai queimando o arroz, ou colocando alho demais, ou sal de menos. Às vezes você faz aquele arroz de saquinho que só precisa colocar na água, mas percebe que aquilo tem gosto de isopor molhado, e se é para comer arroz ruim, que faça você mesmo o arroz. E você faz o arroz, e com o tempo percebe que você tem melhorado naquilo, afinal, é só arroz. Você viu alguém fazendo direito, você já tem experiência fazendo, provavelmente cometeu todos os erros possíveis na elaboração de um arroz (incluindo a vez quando você foi no supermercado com pressa e acabou comprando arroz integral sem querer e teve que comer aquela merda a semana inteira) e um dia, sem perceber, você está fazendo um arroz decente.

Talvez ainda não seja o melhor arroz do mundo. Merda, talvez não seja o melhor arroz nem do seu condomínio. Mas ainda assim, arroz. Um arroz que você precisa pra sobreviver, e sabe de uma coisa, um arroz que dá até um certo orgulho. Um arroz, quem sabe, que você se acostuma e acha que não tem nada demais, mas algum dia alguém pode provar e achar especial. E talvez até achar que por causa do arroz você também é especial. Logo você, que nunca se preocupou em fazer o melhor arroz do mundo. Apenas fez. Porque tinha que fazer, porque queria fazer, porque precisava fazer. Claro, se dedicou a fazer arroz, mas sem vislumbrar nele maiores pretensões. Afinal, é só arroz.

Escrever é um pouco como fazer arroz. É difícil perceber isso no início. Você começa a escrever principalmente porque viu alguém fazendo isso muito bem. E com o tempo vai encontrando mais e mais pessoas que fazem isso muito bem, e que começam lentamente a formar o seu gosto pela leitura. E você tenta escrever pela primeira vez e percebe que seu texto está muito longe do que o Verissimo faz. E nota que sua ideia para um seriado não passou de uma releitura de Entourage, e que aquele seu roteiro para um filme é tão ruim que até o Nicolas Cage aceitaria participar. Mas o que eu quero dizer é que isso é normal. Seu senso crítico continua evoluído, mas sua escrita ainda não. E você deve passar por essa fase.

E mais que passar, é importante aprender com essa fase. A cada texto que você termina, relê e sente vontade apagar, ou simplesmente deixar escondido, como aquela barata que você matou mas deixou em um canto da sala pra não ter mais que mexer com aquilo, é preciso se desenvolver. O George disse uma vez que sentia muita dificuldade de compor quando estava nos Beatles, porque Paul e John tinham escrito todas as músicas ruins deles na época de colégio, muito antes de entrarem em um estúdio para gravar, e ele teria que partir do zero e tentar fazer algo que se comparasse às composições geniais deles se quisesse gravar uma música própria. Mais do que ler tudo aquilo que se torna referência para você, o mais importante é escrever tudo que puder. Sim, este blog são minhas canções ruins de adolescentes do John e do Paul, espero que vocês não se importem.

Escrevi esse texto para mim. Para sempre que alguma vez que eu passar os olhos no blog e nos meus textos, eu achar que tem algum propósito e conter o impulso de deletar e esconder isso do mundo. E para continuar escrevendo. E, quem sabe, ficar bom nisso. Escrevi para mim, mas talvez sirva para mais algúem. É só arroz.

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