Positivamente Enganados: Os Mitos e Erros do Movimento do Pensamento Positivo

Por Steve Salerno, publicado em e-Skeptic, 15 de abril de 2009
Traduzido por colaboração de Vitor Moura.

Meu técnico de futebol americano era o tipo de pessoa que Stanley Kubrick devia ter em mente quando concebeu o exagerado sargento instrutor para o seu filme clássico sobre o Vietnã, Nascido para Matar. Na metade de um jogo no meu segundo ano, eu e meus companheiros na linha de ataque estávamos tendo problemas em abrir espaço para nossos jogadores levarem a bola. O treinador nos chamou à parte no intervalo e alinhou-nos contra a parede. Ele então passou por nós e — de uma distância de mais ou menos cinco centímetros — gritou colado em cada um de nossos rostos: “Eu quero que você me diga agora, você vai perder outro bloqueio?!”. Havia um pungente gerúndio anglo-saxão entre outro e bloqueio, mas o bom gosto me obriga a omiti-lo.

A única resposta aceitável era “Não, senhor!”, a qual ele esperava que nós também gritássemos em um volume ensurdecedor. Essa intimidação garantiria ao treinador nossa coragem, dedicação e mérito para o resto da temporada. Mas, para mim, a pergunta do treinador não parecia razoável. Eu ainda tinha duas temporadas e meia de futebol diante de mim. Que garantias eu poderia dar? E assim, quando chegou a minha vez, eu dei um suspiro e disse: “Olha, treinador, eu certamente não quero perder outro bloqueio! Mas, provavelmente, sim, eu acho que vou perder alguns. De vez em quando.”

Pelo olhar perplexo no rosto do treinador, você pensaria que eu tinha acabado de me transformar em uma toupeira de quase dois metros diante de seus olhos. Por um momento, ele apenas olhou para mim. Então ele explodiu. Chamou-me de “espertinho”, que estava “querendo peitá-lo” , e me colocou no fim do banco. Pouco tempo depois que o jogo recomeçou, no entanto, ele discretamente me inseriu de volta no jogo. Parece que a minha substituição — por um daqueles jogadores que “nunca perderiam um outro bloqueio” — estava perdendo vários bloqueios.

Não há qualquer dúvida sobre o fascínio da idéia de que você vai ganhar todos os jogos, conseguir todos os trabalhos em que você se candidatar, fechar todas as vendas e conquistar o coração de cada homem ou mulher que chame a sua atenção. Isso ficou claro para mim muitos anos após a faculdade, quando comecei a pesquisa para um livro sobre o movimento do potencial humano. Eu rapidamente percebi o quanto os americanos estavam envolvidos em seu otimismo — e o quanto ficavam furiosos ao serem desafiados, ou mesmo questionados sobre isso; eu estava descobrindo o que a ensaísta Barbara Ehrenreich, escrevendo mais tarde na Harper’s, chamaria de esperança “patológica” . É uma visão de mundo que é sedutora, edificante e enobrecedora — tudo isso — e, ainda assim, a evidência e o senso comum sugerem que não tem nada a ver com o estabelecimento (e a implementação) de metas realistas, instituir (e observar) prioridades e, talvez o mais importante, reconhecer as limitações e os obstáculos válidos.

Em uma cultura cuja insaciável sede de auto-aperfeiçoamento é estimada em torno de 14 bilhões de dólares em gastos diretos em 2010 (tal como previsto pelas Marketdata Enterprises), a primazia de uma “atitude mental positiva” (AMP) é inquestionável. A fé no efeito catalisador do otimismo, da auto-confiança e nos outros componentes com vários títulos de uma AMP pode ser o traço definidor do zeitgeist. A positividade é a pedra fundamental, a condição sine qua non da vida americana de sucesso.



A ASCENÇÃO DO MOVIMENTO DA ATITUDE MENTAL POSITIVA

O reforço cultural de tudo isto é potente e onipresente. A positividade é central para muitos, basta ver o Oprah Winfrey Show, enquanto o otimismo e a manutenção geral de uma “atitude de que posso realizar tudo” formam os temas de quase todos os best-sellers de auto-ajuda. Vá no Google e digite “atitude mental positiva”, e você obterá um quarto de milhão de resultados. Isso não é tão surpreendente quanto o fato de que na página 20 de resultados – o ponto onde a maioria dos resultados do Google há muito degradaram em significados terciários – os resultados da AMP permanecem fortemente centrados em torno da idéia básica: melhorar a sua vida através de pensamentos felizes.

O pensamento positivo até desfruta de publicações no mainstream psicológico, graças a Martin Seligman, autor de Learned Optimism: How to Change Your Mind and Your Life e pai da chamada psicologia positiva. A “psiquê positiva” defende uma abordagem terapêutica de que o copo está meio cheio, e transmite a idéia de que os pensamentos otimistas são a sua própria recompensa auto-realizável. Em outubro passado centenas de psicólogos de duas dezenas de nações participaram da anual Positive Psychology International Summit, patrocinada pela Toyota.

O mundo corporativo abraçou totalmente o movimento. Segundo a Sociedade Americana para Treinamento e Desenvolvimento, porções crescentes dos 50 bilhões de dólares que as empresas investem anualmente em treinamento são destinados a palestrantes motivacionais, seminários externos e “programas selvagens”, destinados a incutir uma perspectiva positiva e confiante. Quando a Meeting Professionals International estudou seus membros em 2004, 81% preferiram a motivação passada por celebridades ao invés do treinamento intensivo de habilidades. No circuito de palestras, Tony Robbins e seus companheiros palestrantes motivacionais e técnicos de auto-ajuda foram acompanhados por um elenco colorido e improvável de auto-proclamados gurus, incluindo as vítimas de catástrofes nos Alpes, ex-atores pornográficos e viciados em crack confessos, havendo ainda espaço para um desertor da máfia, como outrora foi o subchefe Mike Franzese, da Família Colombo. Todos dizendo claramente que eles não poderiam ter feito isso sem as suas AMPs.

O otimismo ou a falta dele leva a oscilações no mercado financeiro dos EUA a um grau maior do que o desempenho mensurável das empresas listadas lá. O ex-presidente do Fed, Alan Greenspan, certificou esta obviedade em um memorável discurso de dezembro de 1996 em que usou a expressão “exuberância irracional” para caracterizar o clima de investimento. Apesar da América Fortune 500 não ter ficado menos solvente no dia após os comentários de Greenspan do que na véspera, Wall Street — com o seu próprio otimismo abalado — entrou em queda livre.

Na política, os líderes ao fazer discursos políticos importantes sobre questões vitais irão proferir o otimismo como um vale para resultados reais, e é uma moeda que o público americano aceita acriticamente. O ex-presidente George W. Bush expressou otimismo sobre uma série de coisas: que o governo iraquiano poderia sustentar-se e formar o modelo para um novo Oriente Médio democrático; que os EUA poderiam adaptar de agendas díspares uma política de imigração que satisfaz tudo para todas as pessoas; que poderia neutralizar as tensões nu-cu-la-res crônicas entre os EUA e a Coréia do Norte. (Se ele não pudesse desfazer a causa das tensões, o seu chefe do Pentágono especialista em Star Wars, o tenente-general Henry Obering, estava otimista sobre as chances de abater qualquer míssil que viesse.)

Mas mesmo a política ocupa uma posição inferior àquela do esporte, onde ganhar e perder são explicados quase inteiramente em termos de uma AMP. Em entrevistas pós-jogo, os atletas e seus treinadores glorificam o “jogo mental”, falando de pausas para reflexão e pontos de virada emocional e de queimação na barriga — tudo, exceto as habilidades físicas naturais que separam um Roger Federer ou uma Serena Williams de você e de mim. A mídia, também, suspende a descrença no que se refere à suposta ligação entre o querer e o vencer. Dado o êxito, aqueles que escrevem sobre o esporte ignoram explicações óbvias (talento? muita prática? “oportunidades”?) e se esforçam ao invés em encontrar a AMP que o pressagiou. “Ele só desejou isso com mais força” é uma explicação freqüentemente ouvida de por que um atleta superou o outro, mesmo quando se trata de uma diferença de frações de pontos ou de tempo que poderia ter ido facilmente para o adversário. Quando o Miami Heat derrotou o Dallas Mavericks em 2006 nas finais da NBA, a AP definiu o tom da reportagem da mídia autorizada repassando em seus artigos a “promessa” do treinador do Heat, Pat Riley, de trazer um título da NBA para a Flórida. Esse Riley, ele próprio um super-astro do basquete, fez esta promessa quando assumiu o comando da equipe em 1995 e não pareceu incomodar ninguém; não mais do que o fato que várias equipes cujos treinadores não tinham feito nenhuma promessa conseguiram vencer títulos no ínterim. Os sábios do esporte seguiram o roteiro, enquadrando a vitória do Heat como a confirmação de um juramento que havia ficado acumulado poeira por 11 anos.

Tais tendências têm produzido alguns momentos olímpicos extraordinariamente idiotas — como aquele dia em Atlanta, em 1996, quando os anunciantes da NBC pareciam determinados a creditar os atos heróicos do velocista Michael Johnson a qualquer coisa menos à velocidade dos seus pés. Eles aclamaram a confiança de Johnson, sua preparação mental, sua determinação interior. Chegava-se a pensar que a possibilidade de que Johnson era simplesmente mais rápido do que os seus adversários não tinha ocorrido a ninguém.

Em suma, então, pode-se dizer que os americanos querem ser positivos, cercar-se de outras pessoas que sejam positivas, confiarem os seus destinos e as suas próprias vidas àqueles que exalam positividade. No que a América realmente acredita é na crença.

A ironia é esta: a noção de que o enigma do sucesso é mais facilmente resolvido pela atitude do que pela aptidão pode ser uma das forças mais sutilmente destrutivas na sociedade americana. Não só é uma censura ao pensamento racional, mas em uma sociedade que já está se voltando ameaçadoramente para o narcisismo, esta publicidade exagerada da esperança também corrói a reverência ao trabalho duro, a paciência, o estudo, a auto-disciplina, o auto-sacrifício, a diligência e outros componentes tradicionais do sucesso.


O SEGREDO DA AUTO-ESTIMA

A resposta definitiva de como chegamos a este estado de coisas é melhor deixada aos historiadores e psicólogos sociais. Mas é seguramente possível postular que o otimismo é uma “memória racial” americana: uma extensão lógica do pioneirismo e do sentido de destino manifesto que tomou os primeiros colonizadores. Como o membro do conselho editorial do New York Times Adam Cohen escreveu: “.O pessimismo… é a mais anti-americana das filosofias”. A positividade está no gene americano. Ela também é sutilmente evocada no preceito dos fundadores da democracia americana, a declaração poética que “todos os homens são criados iguais”, que os defensores da atitude mental têm deturpado para implicar que “todos os homens [e mulheres] são igualmente capazes.” Ou, reformulado na linguagem importuna que é típica de materiais de auto-ajuda: “Não deixe que ninguém impeça os seus sonhos!”

O apelo universal desse sentimento era indiscutível no fenômeno do pensamento positivo de 2007, “O Segredo” — com os seus declarados 6 milhões de livros e DVDs agora em circulação. Ancorado na chamada Lei da Atração, O Segredo argumenta que nós somos “ímãs vivos” — aquilo em que acreditamos, bom ou ruim, virá ao nosso encontro. Munido do “conhecimento que os maiores líderes, descobridores e filósofos possuem”, diz a criadora de O Segredo, Rhonda Byrne, “não há nada que qualquer ser humano não possa ser, fazer ou ter… não há uma única coisa. Não há limite algum.” Para Byrne, a mente rege a matéria. E isso é tudo.

Como muitas das mensagens melosas que inundam a América moderna, “O Segredo” é sobre a rejeição das verdades “inconvenientes” do mundo físico. Na cultura geral, a ciência e a lógica ficaram fora de moda. Somos, afinal, um povo que cada vez mais abandona a medicina ortodoxa em lugar de regimes mente-corpo cujos próprios defensores não só se recusam a citar as provas clínicas, mas julgam a própria ciência como “enfraquecedora”. (O grito de guerra de que “você tem dentro de si as energias de que precisa para se curar” é uma razão pela qual as visitas aos praticantes de todas as formas de medicina alternativa agora superam as visitas aos médicos de família tradicionais por uma margem de quase dois para um.) O que eu acho mais notável sobre O Segredo, no entanto, é que de alguma forma integrou a mentalidade solipsista “A vida é aquilo que você pensa que é” que já foi associada a doenças mentais como a esquizofrenia. O Segredo era (e continua) o totem perfeito para a sua época, cativando de modo inigualado duas gerações antagônicas: os Baby Boomers chegando à meia-idade em massa e desesperados para libertarem-se de tudo o que tinham sido até agora; e jovens adultos distantes dos pais indulgentes e — especialmente — da escolaridade indulgente.

Com efeito, se houve um momento divisor de águas no pensamento positivo moderno, teria que ser o advento em 1970 do ensino baseado na auto-estima: um experimento em larga escala social que fez de ratos de laboratório milhões de crianças americanas. Na época, havia a teoria de que um ego saudável ajudaria os alunos a alcançar a grandeza (mesmo se os mecanismos necessários para incutir a auto-estima “temporariamente” minassem o ensino tradicional). Embora naquela época ninguém soubesse realmente o que a auto-estima fazia ou não, os líderes educacionais da nação não obstante presumiram que quanto mais as crianças tivessem disso, melhor.

Seguiu-se que quase tudo sobre a experiência escolar foi reconfigurado para apoiar o desenvolvimento do ego e a positividade sobre o aprendizado e a vida. Para proteger os alunos da ignomínia do fracasso, as escolas afrouxaram os critérios para que muito menos crianças repetissem. A classificação em curva se tornou mais comum, mesmo nos níveis mais baixos; as normas sociais substituíram os padrões nacionais. A tinta vermelha começou a desaparecer dos trabalhos dos alunos quando os administradores determinaram que os professores fizessem as correções em cores menos “estigmatizantes”. A orientação dos conselheiros defendia a causa da “promoção social”, onde o baixo desempenho dos estudantes — em vez de ficarem para trás — fosse repassado para a classe seguinte de qualquer maneira, para mantê-los com os seus amigos da mesma idade.

O que houve após isso foi uma celebração indiscriminada da mediocridade: as escolas abandonaram as suas listas de honra para não ferir os sentimentos dos estudantes que não conseguiam atingir a nota necessária. Jean Twenge, autora de Generation Me: Why Today’s Young Americans Are More Confident, Assertive, Entitled … and More Miserable Than Ever Before [Geração Eu: Por que os jovens americanos de hoje estão mais confiantes, assertivos, habilitados ... e mais miseráveis do que nunca], fala de festas da pizza que “costumavam acontecer apenas para crianças que tiravam A, mas nos últimos anos a escola tem convidado todas as crianças que simplesmente passaram”. (Twenge também fala de professores que eram dissuadidos de fazer correções que pudessem tirar o orgulho de um estudante como um “soletrador individual”.) Foram proibidos jogos no recreio que inerentemente produzissem vencedores e perdedores; não poderia haver vencidos neste admirável mundo novo de vibrações positivas.

Em meio a tudo isso, as camisas e blusas das crianças tornaram-se, na prática, quadros de avisos para uma miscelânea de fitas, alfinetes e prêmios que comemoravam tudo exceto conquistas reais. Às vezes, quanto piores as notas, mais um estudante era premiado, sob a teoria de que a fim de fazer com que as crianças em risco se superassem, primeiro você tinha que fazê-las se sentir otimistas e capazes.

Nas décadas seguintes após as prioridades baseadas na auto-estima confiscarem a agenda educacional americana, as notas SAT, a inflação das notas, as taxas de graduação, o desempenho dos Estados Unidos em testes internacionais de matemática e ciências, e outros barômetros menos tangíveis têm demonstrado que a grandeza escolar não é o que a auto-estima promove. Os administradores descobriram que aqueles relaxamentos “temporários” nos padrões tinham que ser institucionalizados de uma maneira sistêmica depois que os estudantes transferidos para o nível seguinte também não conseguiam — ou não queriam? — fazer o trabalho de nível superior. Com o tempo, a inflação das notas percorreu todo o caminho até o ensino secundário. (O número de calouros que agora precisam de cursos de recuperação, a fim de lidar com a matemática da faculdade e outros trabalhos beira o alarmante — 40%, em um estudo realizado pela Evergreen Freedom Foundation, um think-tank do estado de Washington).

Significativamente, quando os psicólogos Harold Stevenson e James Stigler compararam as habilidades acadêmicas dos estudantes de escola primária em três países asiáticos aos de seus colegas dos EUA, os asiáticos facilmente superaram os norte-americanos — mas quando se pediu aos mesmos alunos, em seguida, que classificassem suas proezas acadêmicas, as crianças americanas expressaram auto-avaliações muito maiores que suas contrapartes estrangeiras. Em outras palavras, os alunos americanos se atribuíram notas altas para trabalhos ruins. Stevenson e Stigler viram este enviesamento como fruto da ênfase retrógrada nas salas de aula americanas; a Brookings Institution 2006 Brown Center Report on Education também descobriu que as nações em que as famílias e as escolas enfatizam a auto-estima não podem competir academicamente com as culturas onde a ênfase é sobre a aprendizagem, e ponto final.

Hoje periódicos acadêmicos estão repletos de artigos revisionistas que lamentam a pilhagem das escolas americanas em nome da positividade. O fracasso é tão grande que a educação baseada na auto-estima foi repudiada até mesmo por algumas das suas mais apaixonadas vozes iniciais. (William R. Coulson, por exemplo, durante a década de 1990 tornou-se uma espécie de trovador lacrimal que cruzou a paisagem americana, confessando o seu erro e suplicando às escolas para repensar os seus programas de auto-estima). O cinismo global talvez seja melhor capturado pelo título do provocativo livro de 1995 de Charles Sykes, Dumbing Down Our Kids: Why American Children Feel Good About Themselves but Can’t Read, Write or Add. [Emburrecendo as Nossas Crianças: Por Que as Crianças Americanas se Sentem Bem Consigo Mesmas, Mas Não Conseguem Ler, Escrever ou Somar].

A verdadeira lição aqui, porém, não é que as doses maciças de positividade não produziram brilhantismo — é que a obsessão com o cultivo do otimismo e da “força interior”, na verdade, provou ser contraproducente. Está claro agora que não só metodologias de educação baseadas na auto-estima não produzem excelência, como de fato a comprometem.

A evidência sugere que houve conseqüências mais obscuras também. Ao falsamente elogiar estudantes e protegê-los do fracasso, o sistema educacional também os estava “blindando” contra a resiliência e habilidades que permitam ao adulto maduro processar a adversidade. Criados no casulo protetor do sistema escolar, muitas vezes com o reforço do ambiente de pais e mães “helicópteros”, as crianças cresceram despreparadas para um implacável Mundo Real.

De forma mais presente, ao criar um clima de merecimento, o movimento da auto-estima pode ter inconscientemente ajudado a treinar as crianças a se sentirem bem com relação a um comportamento duvidoso e egoísta. Twenge descobriu um significado amargo em um relatório de 2002 do Josephson Institute of Ethics, um think-tank de Los Angeles que estuda os costumes americanos, o qual revelou que “colar nas provas, roubar e mentir por parte de estudantes do ensino médio tem continuado sua alarmante espiral ascendente pela década.” O Instituto observa que quase três quartos dos estudantes admitiram alguma forma de fraude durante o ano anterior.

Assim parece que, se o sistema escolar não conseguiu imbuir os estudantes com uma verdadeira auto-estima, ele foi mais bem sucedido ao fomentar o narcisismo. No sentido clínico mais simples, o narcisismo pode ser definido como um sentimento exagerado de seu lugar no mundo. Os verdadeiros narcisistas necessitam dos outros apenas por sua utilidade em alimentar o seu sentimento de grandiosidade. E ainda assim o narcisismo é uma doença paradoxal, na medida em que os narcisistas nunca estão verdadeiramente seguros em seu sentido inchado de auto-estima; eles anseiam por uma validação constante. Não é razoável pensar que tal condição resulte de uma escolaridade que apregoa uma auto-estima vazia e infundada? Isso é precisamente o que o psicólogo Charles Elliott conclui em seu livro, Hollow Kids: Recapturing the Soul of a Generation Lost to the Self-Esteem Myth [Crianças Vazias: Retomando a Alma de uma Geração Perdida para o Mito da Auto-Estima]. E Elliott dificilmente é uma voz solitária no deserto.

“Um dos aspectos mais preocupantes da auto-estima por si mesmo é que você corre o risco de produzir crianças que não podem tolerar desafios à fachada que você construiu para elas”, disse-me o psicólogo acadêmico Roy Baumeister, uma das principais figuras na investigação da auto-estima, em uma entrevista de 2004 para o meu livro, SHAM: How the Self-Help Movement Made America Helpless [IMPOSTURA: Como o Movimento da Auto-Ajuda deixou a América Desamparada].

Isso não é pouca coisa, porque o narcisismo está desenfreado hoje, diagnosticado por uma ferramenta de avaliação conhecida como Inventário da Personalidade Narcisista (NPI). Twenge, que também é uma psicóloga na San Diego State University, analisou as respostas de 16.475 estudantes universitários que tinham concluído o NPI entre 1982 e 2006. Ela observou um salto de 30 por cento dos estudantes que marcaram “acima da média” para o narcisismo entre essas duas datas finais — um período de intensa atividade de construção da auto-estima na cultura americana.

E isto, por sua vez, é importante por causa do crescente corpo de pesquisa que liga o narcisismo e a agressividade. Muitas dessas intrincadas relações comportamentais só recentemente foram exploradas em profundidade, e se quer evitar os saltos de fé que marcaram o movimento da auto-estima anterior. Ainda assim, o trabalho de pessoas notáveis da psicologia como Baumeister, Jennifer Crocker, e Nicholas Emler afirma que o maior sintoma de grave comportamento anti-social não é a “baixa auto-estima”, como teorizado uma vez, mas sim a ultra-alta auto-estima. De fato, o estudo pioneiro Baumeister, publicado em 1998 no Journal of Personality and Social Psychology, revelou que os níveis mais elevados de auto-estima e/ou narcisismo são freqüentemente encontrados em serial killers, traficantes de drogas e outros misantropos.
O colaborador de Baumeister no estudo, o psicólogo Brad Bushman, disse à Science Daily, “Se as crianças começam a desenvolver opiniões irrealisticamente otimistas de si mesmas, e essas crenças são constantemente rejeitadas pelos outros, seus sentimentos de amor próprio poderiam torná-las perigosas para as pessoas ao seu redor.”


CONFIANÇA EMPRESARIAL

Vale a pena ressaltar que o movimento da auto-estima foi o resultado de uma das mais colossais gafes lógicas da história. Os psicólogos educacionais haviam observado que as crianças que tiram boas notas geralmente pontuam um pouco maior na auto-estima do que os estudantes ruins. Então — eles pensaram — tudo o eles tinham a fazer para transformar baixos resultados em grandes resultados era “disparar” uma dose extra de auto-estima. O que os educadores não perceberam, é claro, foi que eles tinham invertido a causalidade: as crianças com boas notas tinham maior auto-estima por causa das notas, e não vice-versa.

No entanto, essas lições não foram assimiladas pelos promotores modernos do pensamento positivo, que continuam a violar as regras mais elementares da lógica e da evidência:

A subcultura “sem limites” alega que tudo é possível através da aplicação pura e simples da vontade. Satirizando a ideia, o consultor de gestão Payson Hall escreve: “Outro dia eu quebrei uma tábua de pinho 12” x 12” x 1” apenas com a mão depois de ouvir uma palestra motivacional de 90 minutos sobre a quebra de barreiras para alcançar metas. [Mas] a mensagem inspiradora ‘você pode fazer qualquer coisa se estiver comprometido’ me incomodou… Eu suspeito que o facilitador da mensagem teria concordado com meu incômodo, especialmente se eu tivesse levado uma chapa de aço 12” x 12 “x 1”.

Mas então, o bom senso nunca dissuadiu a vontade de um guru da AMP em defender sua causa. Nem o bom gosto. Quando partes de San Diego ficaram envoltas em chamas, em 2007, o guru de auto-ajuda Joe Vitale observou em seu blog que o inferno poupou as casas de alguns dos seus amigos colaboradores para “O Segredo”, o que implica fortemente que os proprietários menos afortunados atraíram para si mesmos o cataclismo por não serem suficientemente otimistas.

A AMP é muito dependente do argumento pelo exemplo, divulgando o sucesso de pessoas positivas como prova de que “você pode fazer isso também!” Do ponto de vista evidencial, é absurda a tática de “colher cerejas” escolhendo as pessoas de sucesso, perguntar a elas sobre o seu estado de espírito, descobrir que elas se sentem de bem com a vida, e em seguida usar essa “investigação” ao argumentar que a atitude positiva promove o sucesso. Quantas pessoas fracassadas também se sentiam positivas — até que suas vidas tomaram um rumo inesperado para o pior? Tal raciocínio faz tanto sentido quanto usar Bill Gates e Ted Turner, dois jovens notáveis que desistiram da faculdade, como evidência para a teoria de que não fazer faculdade leva à riqueza incalculável (ou observar que Kobe Bryant tem um nome incomum e, portanto, assumir que se você dar ao seu filho um nome tão incomum ele vai acabar virando um astro da NBA).

Muito pior é quando os gurus da AMP realmente usam os tipos de Gates e Turner como “prova” de “por que um diploma universitário não é tão importante quanto uma boa atitude.” Gates e Turner são exceção. A grande maioria dos desistentes da faculdade não se saiu tão bem, não importa quão positivos eles tenham sido. 


UM VENCEDOR COMPROVADO: A MENTALIDADE CAMPEÃ NOS ESPORTES

Esperando imbuir suas ideologias com uma bravata mística, a turma da AMP inventou um jargão absurdo de mente elevada — frases que não podem verdadeiramente ser definidas, muito menos quantificadas ou aplicadas à vida real. Esta saraivada de clichês e chavões raramente resulta em uma filosofia coesa. Eu estou assistindo as Olimpíadas de Pequim enquanto escrevo isto e, a julgar pelos comentários de vários comentaristas — todos especialistas em seus respectivos esportes — o competidor olímpico ideal é calmo e ainda assim selvagem que está ao mesmo tempo relaxado e orientado, paciente e faminto, um atleta que permanece dentro de seus limites, embora saiba como ultrapassá-los. Este indivíduo extremamente confiante (mas não excessivamente confiante) entra na competição com uma mente clara e com uma concentração intensa, percebe a importância de vencer, mas não se preocupa em perder; conhece o próprio ritmo, mas sempre dá 110% — e ainda tem uma energia extra guardada, caso precise. Este é um concorrente que se entrega totalmente em campo mesmo sabendo que às vezes é melhor viver para lutar outro dia …

Eu desafio qualquer um a encontrar todas essas qualidades díspares na mesma pessoa (sã). É evidente que, ao final, a assim chamada mentalidade campeã é o que funciona para o campeão em questão. O que significa, na prática, que não há uma coisa como uma mentalidade campeã, por si. Isso poderia ser uma arrogância insuportável para um atleta e um uma modéstia nauseante para o seu principal rival. Vimos isso em Torino, na verdade, no contraste total entre os esquiadores dos EUA Bode Miller (o ego ambulante) e Ted (“Eu estou apenas feliz por estar aqui”) Ligety.

Da mesma forma, os gigantes do seminário falam de jogadores superstar envolvidos no empreendimento de equipes complexas como se esses jogadores pudessem chegar, tal qual Uri Geller, e dobrar dezenas de variáveis desconhecidas em um padrão ordenado levando inexoravelmente à vitória. Considere o seguinte: “Ele é sem dúvida um vencedor”, ou, mais especificamente, “Ele sabe como vencer”, elogios muitas vezes outorgados para atletas de primeira linha como, digamos, o jogador de beisebol Derek Jeter do New York Yankees. O que significa isso? Como é possível ser assim? Jeter, situando-se a poucos metros de distância, emite ondas de energia invisíveis que de alguma forma impedem o seu lançador de desistir das corridas? E se Jeter pode motivar a si mesmo (e/ou um companheiro de equipe) a conseguir a pegada certeira na nona rodada — por que ele esperou tanto tempo? Por que não colocou o jogo em segurança muito antes? Além disso, como explicar a grande perda dos ianques? Se o homem pode simplesmente “conjurar” vitórias à vontade, então por que, em 2002, o ano em que os Yankees conquistaram uma flâmula, ganhando 103 jogos durante a temporada regular, Derek Jeter permitiu que a equipe fosse eliminada dos playoffs pelo California Angels? Será que ele de repente se esqueceu de como vencer quando mais importava?


VOCÊ TAMBÉM PODE SER PRESIDENTE: O OTIMISMO DELIRANTE

Os defensores mais entusiásticos de hoje do pensamento positivo — não contentes em prometer somente excelência individual — retratam sua busca como a maré que levanta todos os barcos, supostamente permitindo a América como um todo alcance novos níveis de realização. É uma perspectiva atraente, apesar de impossível, porque tantas atividades competitivas são casos de soma zero: para cada vencedor, existem vários perdedores. Não há simplesmente nenhuma maneira deste goulash de aspirações conflitantes reduzir a parceiros sociais uma sociedade estruturada na existência de patrões e empregados, ricos e menos ricos, vencedores e também perdedores. E o absurdo começa com a mensagem fundamental do pensamento positivo em todos os lugares nas escolas: “Você pode ser o presidente dos Estados Unidos, se você realmente quiser!” Mesmo deixando de lado os inúmeros fatores contextuais que podem atrapalhar uma corrida para a Casa Branca, a simples aritmética de escassez de oportunidade — o fato de que a qualquer momento haverá talvez 10 presidências disponíveis para 150 milhões ou mais de americanos entre 35 anos até a época de sua morte — exclui o sonho de quase todos os que sonham com isso.

Uma mensagem mais verdadeira seria: “Você tem uma chance muito maior de ser atingido por um raio do que virar presidente dos Estados Unidos. Mas relaxe, não há praticamente nenhuma chance de que você seja atingido por um raio, de toda forma”.

Mais uma vez aqui — como vimos com a auto-estima — isto não é simplesmente idiota. Há um claro lado negativo na positividade infundada.

No mundo dos negócios, o pensamento positivo muitas vezes se manifesta como uma aversão ao planejamento de contingência. Certamente um dos aspectos mais preocupantes da cultura corporativa guiada pela AMP de hoje é o modo com que intimida os trabalhadores cautelosos, fazendo-os ficar com a boca fechada sobre todos os sinais de perigo que vêem em uma determinada estratégia ou empreendimento. Discussões francas sobre o risco são interpretadas como indícios de negatividade da pessoa, ou mesmo que essa pessoa está “lançando as bases para o fracasso”. Os empregados que exprimem preocupações razoáveis podem ser rotulados como “profetas da desgraça” — e verem-se menosprezados durante as avaliações periódicas por “não fazerem parte da equipe”. Em seu artigo na Harvard Business Review, “Ilusões de Sucesso” — sobre a atual atmosfera na América corporativa — os autores Dan Lovallo e Daniel Kahneman são diretos: “Nós recompensamos o otimismo e interpretamos o pessimismo como uma deslealdade”.

Ironicamente, a incapacidade de lidar com riscos — o que Lovallo e Kahneman chamam de “otimismo delirante” — torna-se um fator de risco por si mesma. Vale lembrar a citação memorável de Russell Ackoff em seu livro clássico, Management in Small Doses: “O custo de preparação para situações críticas que não ocorrem geralmente é muito pequeno em comparação com o custo de se estar despreparado para aquelas que ocorrem.”

Mais adiante em um projeto malfadado, a AMP novamente mostra a sua desagradável presença na forma de uma recusa obstinada em reconhecer a derrota. Como o consultor Payson Hall escreve, a idéia de que “qualquer projeto é possível, dada uma atitude ‘pode ser feito’ “provou ser um equívoco muito caro e destrutivo.” Muito dinheiro é desperdiçado porque, afinal de contas, se você realmente acredita … como pode falhar?

O Consultor de Gestão Jay Kurtz tem uma visão mais colorida na mesma armadilha familiar. “A pessoa mais perigosa na América corporativa”, Kurtz uma vez me disse, “é o incompetente altamente entusiástico. Ele está sempre correndo rápido demais na direção errada”.


PRODUTIVIDADE POSITIVA X COMPETÊNCIA IRRITANTE

Para constar, estudos sobre a alegada ligação entre a positividade e a produtividade raramente mostram uma correlação linear. Embora as pesquisas mostrem que os trabalhadores americanos são altamente produtivos e relativamente otimistas, não se pode postular uma relação causal sem ajuste para a miríade de variáveis ambientais que tornam a vida americana muito mais edificante para começar. Os estudos mais rigorosos da História, como o esforço direcionado de 1985 pelos psicólogos Hackett e Guion, lançaram dúvidas sobre até mesmo as correlações mais básicas que você esperaria encontrar — por exemplo, entre a satisfação no trabalho e a alta frequência no serviço. Note-se que no Japão, a própria fonte do “5S” e outros programas de produtividade alardeados atualmente na Fortune 500 America, os empregados não são exatamente eufóricos. De acordo com um estudo realizado em 2002 por Andrew Oswald, professor de economia na Universidade de Warwick, Reino Unido, apenas 30% dos trabalhadores japoneses se descrevem como “felizes” no trabalho.

No final, há pouca evidência confiável de que uma atitude positiva tenha algo a ver com o resultado de qualquer empreendimento objetivamente mensurável. Há, de fato, uma evidência modesta, mas intrigante, de que uma perspectiva positiva pode ser ruim para os negócios. No ano passado, uma equipe de psicologia da Universidade de Alberta estudou vários grupos de trabalhadores na montagem de circuitos impressos e considerou os empregados ranzinzas superiores às suas contrapartes otimistas. As pessoas alegres estavam investindo muito na sua alegria e dedicavam uma energia significativa para perpetuá-la. Seus colegas de cara fechada simplesmente se dedicavam a seu trabalho — e o fizeram melhor: os descontentes cometeram metade dos erros. (Nem, por falar nisso, devemos descartar o papel desempenhado pelo otimismo injustificado na recente quebra das hipotecas e moradias — por parte dos credores e devedores igualmente).

O fisiculturista Mike Mahler, por sua vez, discorda da maioria das pessoas nas artes de treinamento físico, acusando a cultura da atitude acima de tudo de hoje como “uma forma garantida de jamais alcançar os seus objetivos… Vamos dizer que você está falido, com excesso de peso e não tenha amigos. Você decide aplicar o pensamento positivo… Você diz a si mesmo que você é sortudo por ser você e caminha com um sorriso em seu rosto. Isto está realmente resolvendo o problema?” Sabiamente, Mahler nota que é o descontentamento que “motiva a ação e mudança”. Descontentamento e — apenas talvez? — a disposição em aceitar o fracasso.


ESPERE O FRACASSO... MAS CONTINUE TENTANDO

Conheça o Dr. James Hill. Ele é diretor do Centro para Nutrição Humana, uma agência financiada pela NIH que Hill supervisiona de seu cargo de professor de pediatria na Universidade de Colorado. Hill se perguntou por que a maioria das pessoas que perdem peso em dietas rápidas logo recuperam tudo e ainda ganham alguns quilos. Trabalhando em conjunto com colegas da Universidade de Pittsburgh, a equipe de Hill compilou um Registro de Controle de Peso Nacional que inclui 4.500 indivíduos que perderam pelo menos 13kg e assim se mantiveram por, pelo menos, um ano. Depois da pesquisa e estudo dos dados, Hill identificou as principais características que permitiram que estas pessoas que buscavam emagrecer atingissem os seus resultados impressionantes, e ele as tem destrinchado em uma série de dicas. Entre as primeiras dicas está esta: Espere o fracasso… mas continue tentando.

Espere o fracasso? Isso não é algo que você ouviria no programa da Oprah, não é? No entanto, pelo menos entre os que emagreceram de Hill, havia a antecipação do fracasso — combinado, sim, com a vontade de perseverar — que abriu o caminho para o sucesso.

Um mantra como espere o fracasso, mas continue tentando é um exemplo perfeito de um meio-termo do senso comum que tem chance zero de ganhar força na cultura pop de hoje. Os americanos estão condicionados a mamar na teta de mensagens categóricas, edificantes. Muitos de nós não queremos ouvir “talvez você possa fazê-lo, e talvez você não possa.” Mesmo que seja verdade.

Preferimos nos apegar à noção de que “é claro que você pode fazer isso!” Mesmo que seja falsa.

Comentários

  1. Pensar positivo não basta. É ridículo achar que pensar positivo vai produzir alguma coisa, ou produzir "poder ilimitado".

    Auto-estima não é narcisismo. As pessoas teimam em confundir isso.

    Mas, enfim, é preciso ter muito bom senso ao assistir "O Segredo". Não há nada de errado em querer buscar os nossos objetivos e acreditar em nós mesmos, o problema é quando isso ultrapassa os limites da razão.

    ResponderExcluir

Postar um comentário